Sempre que um empresário ou gestor de vendas enfrenta problemas com suas vendas, a reação natural é acreditar que os vendedores não estão se esforçando, que o gerente não cobra, que o modelo de comissão não está funcionando.
Mas nem sempre a resposta ao problema é a mais óbvia.
Tem uma frase da April Dunford que eu adoro:

Quem me apresentou essa frase foi o Thiago Oliveira, na época head de vendas e CS da Runrun.it, em uma conversa sobre construção de máquinas de vendas inbound. Você pode conferir o episódio do podcast abaixo:
Nem mesmo a melhor equipe de vendas, com as melhores práticas de gestão de vendas, trará resultados extraordinários se você estiver vendendo para o cliente errado.
Foco: segmente seu mercado e colha as frutas mais baixas
No início da construção do seu processo de vendas, você vai se deparar com a dúvida sobre em quem você deve focar seus esforços, ou seja, qual é o grupo de pessoas que você suspeita que represente seus potenciais clientes. Um grande erro que eu vejo é que as empresas não se dão ao trabalho de segmentar seu mercado e identificar as “frutas mais baixas”. Muito já foi escrito sobre a importância de ter foco, e eu acredito muito nessa estratégia, principalmente em startups ou empresas que estão começando, nas quais você tem recursos extremamente limitados e tudo o que é feito tem que dar retorno.
Se você não está convencido disso, eu recomendo fortemente a leitura de Crossing the Chasm, do Geoffrey Moore, que continua sendo uma das literaturas mais importantes para startups e que eu recomendo para todos os meus mentorandos. Sem sombra de dúvidas sempre haverá um subsegmento do seu mercado que tem um potencial maior de comprar de você. Pode ser um setor específico, um determinado tamanho de empresa ou alguma outra característica qualquer. Procure por compradores que tenham uma dor latente (um grave problema) e que ao mesmo tempo tenham condições de comprar, senso de urgência e boa aderência com as funcionalidades da atual versão do seu produto.

Isso também permite desenvolver sua mensagem de marketing e vendas ultrafocada, o que certamente atrairá muito mais a atenção do seu público que uma mensagem genérica e superabrangente. Também ajudará a definir o roadmap do seu produto e saber quais funcionalidades você deve construir na sequência, uma vez que você está focado em atender todas as necessidades de um único segmento. Um erro comum é um produto que atende 80% das necessidades de diversos segmentos de mercado, porque a liderança não foi capaz de focar. Esses 80% são suficientes para deixá-los interessados, mas não é suficiente para convencê-los a comprar.
O motivo pelo qual a equipe de gestão não consegue focar é porque focar é difícil. Foco significa dizer não a oportunidades superatrativas que chegam até você. Por exemplo, Théo Orosco, CEO da Exact Sales, conta um caso sobre o início da Exact, em que ele foi apresentado por um dos seus investidores para uma grande empresa do Rio Grande do Sul. A empresa queria trabalhar com eles, mas queria mudar a forma como eles implementavam e exigiu algumas novas funcionalidades que não estavam no roadmap. Ele disse:
“Não aceite! Lembro que a pessoa que me levou lá não achou a melhor decisão na hora, dizendo que eu deveria ter me adaptado para atender um cliente como ele. Seguimos firmes no caminho que havíamos traçado e hoje vendemos para empresas muito maiores (algumas das maiores do Brasil) sem precisar mudar nosso roadmap e implementação.”Você pode conferir minha entrevista com o Théo abaixo:
Não caia na armadilha, você vence por ter um produto que é superior em um subsegmento e uma mensagem totalmente focada e aderente à realidade desse segmento.
Essa segmentação de mercado vai dar clareza à parte superior do seu funil ao definir quem você deve priorizar.

Ideal Customer Profile: qual é o perfil ideal dos seus prospects?
Um dos maiores problemas que empresários e vendedores de primeira viagem enfrentam é tentar vender para pessoas que não têm o problema que sua solução resolve. Em vez disso, eles priorizam outras características, sendo “disponibilidade” a mais tentadora. Você percebe isso quando ele começa a vender para seus ex-colegas de trabalho, amigos e família.
O propósito de desenvolver uma solução B2B é identificar um problema no mercado e construir um produto ou serviço que o resolva. E o propósito de vendas B2B é identificar empresas e indivíduos que têm esse problema, propor seu produto como uma forma de resolvê-lo e eventualmente chegar a um acordo benéfico para ambas as partes – resolvendo o problema do cliente, como prometido. É assim que deveria funcionar.
O oposto a essa abordagem é tentar vender sua solução para qualquer pessoa ou empresa, independentemente de eles terem ou não o problema que sua solução resolve. São abordagens assim que dão a vendas uma má reputação. E o que é muito pior: é um péssimo negócio. Tudo o que você tem em vendas é o seu tempo. E quando você gasta seu tempo com prospects que não precisam do seu produto, eles não fecham negócio. Ou seja, você está gastando seu precioso e escasso tempo (e despesas com salários) em prospects que provavelmente não vão comprar. Pense nisso, seu objetivo em vendas é adquirir clientes e receita (preferencialmente de forma escalável). Então, gastar seu tempo com pessoas que não vão comprar é o equivalente a queimar dinheiro.
Fazendo algumas contas rápidas você entende o quanto isso pode ser ruim. Imagine que você não tem um alvo bem definido para prospecção e qualificação, ou porque você não definiu seu ICP ou porque fez de qualquer jeito. Talvez você faça 20 demos para pessoas que não têm o problema que você resolve. Cada demo leva em média 30 minutos de preparação, uma hora de execução e outros 30 minutos de follow-up. Não vamos nem levar em consideração futuros follow-ups e tempo gasto gerindo a oportunidade. Isso representa uma semana inteira do seu tempo jogada no lixo e que nunca vai gerar receita. Você poderia gastar esse tempo vendendo para pessoas que fossem comprar ou fazendo outras atividades que agreguem algum valor.
E, ainda pior, se você magicamente convencesse esse prospect (sem fit) a comprar (por seu carisma ou seus belos olhos), ele não iria extrair valor da sua solução porque não tem o problema (ou não é uma dor latente) que sua solução resolve. E o cliente naturalmente não ficará satisfeito. Ele não vai comprar mais do seu produto. Ele não vai renovar contigo (vai “churnar”, na gíria do mundo SaaS). Ele vai contar para os amigos. E no pior dos casos (por mais contraintuitivo que pareça), ele vai tentar te “ajudar” e, no processo, acabar te prejudicando. Ele vai te dar feedback sobre como fazer sua solução melhor para ele – mas o seu produto não foi desenhado para ele. Ele vai tentar te dar uma segunda chance e no processo ele vai consumir todo o tempo do seu time de customer success e suporte (que, dependendo do seu estágio de maturidade, pode ser você). E quando ele fizer isso, vai estar roubando esse tempo e recursos de clientes que realmente vão extrair valor e talvez comprem mais do seu produto.
É um desastre.
O impulso de priorizar prospects que você conhece, mesmo que não necessitem da sua solução, é compreensível. Se você nunca vendeu antes, não está acostumado com a potencial rejeição associada a abordar pessoas que você não conhece e engajar com elas em uma conversa comercial. E é fácil entrar em contato com pessoas que você já conhece. Como essa abordagem pode ser pior que entrar em contato com alguém que não sabe quem é você? Essa apreensão nos leva aos tempos do vendedor malandro, que tenta empurrar seu produto para qualquer pessoa, mesmo que ela não precise, e provavelmente a péssimas experiências vendendo ou comprando que você teve no passado. Mas você precisa mudar seu mindset e começar a se enxergar como um ”distribuidor de soluções para aqueles que tenham um problema”.
Pense só: se a janela da minha casa está quebrada e um vidraceiro bate na minha porta, eu me importo se eu o conheço ou não? Ou que eu não solicitei a visita? Não! Ele pode consertar minha janela! Ainda melhor se eu não tivesse percebido que a janela estava quebrada, gastando uma fortuna com ar-condicionado e deixando minha casa vulnerável para ser roubada. Esse vidraceiro é meu salvador!
Por outro lado, eu posso ter um excelente amigo vidraceiro, estudamos juntos, frequentamos a casa um do outro. Mas se eu não tenho uma janela quebrada, independentemente da nossa amizade, faria algum sentido para mim ou para ele ter uma conversa comercial? Eu posso ser padrinho do filho dele e talvez compre mesmo sem precisar, mas eu vou extrair valor? Vou falar pros outros sobre como o trabalho dele é excelente? Não vou.
Focar em prospects com base em relacionamento em vez de necessidade não é efetivo e é uma perda de tempo.
Então, evite isso! A melhor forma de parar de vender para pessoas que não têm o problema que você resolve é identificando, baseado em algumas características principais, contas e contatos que têm o problema. Prospecção é encontrar essas pessoas de forma replicável. Ao saber o perfil do seu cliente ideal (ICP – Ideal Customer Profile), você é capaz de identificar mais prospects no mercado e então engajar com eles e apresentar seu produto como a solução para o problema deles. Além disso, você pode facilmente qualificar prospects que chegam até você via inbound marketing ou indicação. Se eles tiverem aderência ao seu ICP, maravilha! É hora de trabalhar esses leads! Agora, se eles não tiverem aderência, maravilha também, não gaste seu tempo com eles, invista seu tempo em encontrar clientes que tenham o perfil desejado ou qualquer outra atividade que agregue valor para você ou para o seu negócio! Qualquer coisa que não seja tentar vender para um prospect desqualificado!
Você sabe que você acertou na definição do seu ICP quando está contando para um amigo o que a sua empresa faz e ele diz: “Isso parece interessante, acho que pode me ajudar” e, em vez de imediatamente você tentar vender para ele, você faz algumas perguntas para saber se realmente poderia ajudá-lo ou se você deve responder “Nós não estamos estruturados para fazer isso ainda, mas talvez no futuro! Se você conhecer alguém que precise de X, Y e Z, nós definitivamente podemos ajudá-los!”. Você acabou de economizar preciosas horas do seu tempo, fez um favor ao seu amigo ao respeitar o tempo dele, reforçou sua credibilidade por ser honesto e provavelmente ganhou um evangelizador do seu trabalho, que vai te recomendar sempre que surgir uma oportunidade. Todo mundo sai ganhando!
Domine o mundo, mas um nicho por vez
No excelente livro From Impossible to Inevitable (no Brasil lançado como Hipercrescimento) de Aaron Ross e Jason Lemkin, eles listam 7 ingredientes para alcançar o desejado hipercrescimento, e o primeiro deles é “dominar um nicho”.
Você pode conferir minha entrevista com o Aaron abaixo:
Quando você domina um nicho, você não está pensando pequeno. Você não está limitando seu sonho. Você não está permanentemente encolhendo seu TAM (total addressable market). Nicho aqui significa foco. É um público-alvo específico, com uma dor específica. Independentemente de quantos tipos de clientes você poderia ajudar ou quantos problemas você poderia resolver, não dê passos maiores que a perna e não deixe sua ambição ou megalomania atrapalhar dar os pequenos passos que você precisa para conseguir clientes hoje.
Hipercrescimento não vem de vender muitas coisas para muitos mercados (e dividir suas energias), e sim focar onde você tem as melhores chances de conquistar clientes, fazê-los bem-sucedidos e construir uma reputação de resultados tangíveis a partir daí.
Foco e redução de CAC: case Runrun.it
A correta identificação do perfil ideal de clientes traz outro benefício extraordinário, a redução do seu CAC – Custo de Aquisição de Clientes.
Para quem não ainda não conhece, a Runrun.it tem uma solução de gestão de tarefas, projetos e fluxo do trabalho. Eles se tornaram uma das referências dentro do ecossistema de vendas pela alta eficiência operacional na área comercial, um processo bastante data-driven, e pelos excelentes resultados alcançados.
Quando começaram sua operação, eles preferiram não criar uma hipótese de qual mercado e perfil de cliente teriam mais aderência à solução e decidiram testar o mercado.
Eles criaram uma máquina de geração de leads inbound que gerava cerca de 4 mil leads/mês, e durante 9 meses venderam para todo o mercado. Eles chegaram a um nível de eficiência tão alto que tinham um response time de 2 minutos – isso mesmo, todo mundo que fazia um trial da solução deles recebia uma ligação em 2 minutos.
Eles tiveram a sacada (e disciplina) de registrar todas as respostas dadas pelos leads durante as calls.
Com todos os dados coletados, eles foram capazes de agrupar esses leads em 6 padrões de comportamento que se transformaram em 6 buyer personas.
Havia 2 dessas 6 personas que representavam 60% dos leads trabalhados e convertiam 14x menos que a média.
Para atender os 4 mil leads/mês, eles tinham 28 vendedores.
Ao entender quais são os perfis de clientes com maior aderência à sua solução, eles utilizaram um sistema de lead scoring, que filtrava os leads que chegavam e passaram a abordar apenas esses perfis.
Ao realizar essa mudança, eles passaram a atender 850 leads/mês em média (em vez dos 4 mil) e reduziram sua equipe para 10 vendedores (em vez de 28) com ⅛ do budget de marketing que eles tinham anteriormente, mas gerando o mesmo resultado em vendas.
Conclusão
Focar em um nicho de mercado é o primeiro e provavelmente o mais importante passo no crescimento acelerado do seu negócio. A palavra “nicho” pode remeter a algo pequeno, por isso muitas empresas têm receio de admitir que precisam focar em um nicho.
Focar em um nicho não significa pensar pequeno, e sim ter foco.
Quem vende de tudo para todo mundo não se especializa em nada – e é quase impossível ser o melhor em um ou mais segmentos sem se especializar. É escolher a mediocridade e quase eliminar as chances de um crescimento acelerado.